segunda-feira, 2 de julho de 2012

O Matutão de 86 e as lembranças de um time vencedor

As horas do sábado à noite eram as mais longas da semana. Noite inquieta, impaciente, para muitos, angustiante. No dia seguinte o sol trazia o brilho de um dia diferente. No despertar da feira livre, a música do dia era embalada por um coral de chocalhos, buzinas de bicicleta, megafone do vendedor da Maré Mansa, que não causava irritação porque despertava para um domingo de futebol.

A festa do interior nos anos oitenta era o Matutão, a competição de futebol amador mais importante do Estado durante muitos anos. Um evento que mexia com as pessoas, movimentava as cidades e que era capaz de unir os mais ferrenhos adversários políticos, os bicudos e os bacuraus.

Para os adultos, a ordem do dia era fazer a feira, abastecer a despensa da semana e se preparar para o momento: os 90 minutos.

Já para quem não tinha tanta preocupação com a vida, não havia ordem. Especialmente naquele dia, não havia escola nem dever de casa que afastasse do juízo a espera pelo momento em que o sol começava a relaxar. Um pouco antes da boca da noite, instante em que o apito do juiz transformava a angustia em uma mistura de nervosismo e euforia. Sentimentos que alguns anos depois, alguém explicou que era uma tal de adrenalina.  

Durante a semana, o escrete havia se preparado, treinado ate o sábado, dia do coletivo de apronto. O campo de terra, cercado por aveloz de um lado e cerca feita com vara e arame farpado do outro, era marcado com cal. Um cenário, naqueles tempos, suficiente para ser o palco de um início de semana feliz com mais um show de futebol.

Quando o grande espetáculo tinha início, o torcedor, a beira do torrão, jogava junto. “Aperta que essa peste é ruim”, orientava o torcedor, cada um querendo ser mais sabido que o outro nas táticas do futebol.

O campeonato mais vibrante de todos foi o de 86. O Grêmio de Jandaíra fez uma bela campanha. Em 63 jogos sofreu apenas 12 gols e ficou conhecido em todo o Estado. Era uma equipe temida porque começava com um grande goleiro. Marcelo Terremoto, que anos depois se profissionalizou e jogou no ABC, uma dupla de zaga que se completava com a classe de Djalma e a disposição da peitada de Pedão, zagueiros que metiam medo nos atacantes, não com violência, mas com o bote certo na hora do desarme.

Nas laterais, os jovens Osman e Neri, rápidos no apoio ao ataque, cumpriam com determinação a missão de atacar e se defender. O volante Canindé de Boré era forte, implacável na marcação, sabia desarmar e sair jogando. O meia direita Adailton era um jovem habilidoso, destemido ia pra cima dos zagueiros e quando não marcava deixava alguém na cara do gol.

Com a camisa dez, o crack do time. Panico era inteligente, batia falta com precisão, armava o time com maestria e um toque de bola refinado. Nas pontas, a agilidade, velocidade e habilidade de Braz e Vavá completavam o oportunismo de Lenine, um centroavante nato, homem com faro de gol que só precisava de um palmo de espaço, no meio dos zagueiros, pra fazer a rede balançar.
 
Também havia, no banco de reservas, jovens como Sérgio, Sianinha, Durval, Germano, Naldinho, Carlinhos, Bacuita e Cabo Chila. Quando a equipe precisava, eles também davam conta do recado.
Na última partida disputada, uma decisão contra uma das melhores equipes. Grêmio de Jandaíra X Seleção de Parnamirim. O esquadrão Azul e branco havia empatado, em um a um, com essa mesma equipe fora de casa e se vencesse a partida estaria classificado para as finais, que eram realizadas no Castelão.

Estava vencendo por um à zero. O sonho de ser bi campeão e repetir a conquista de 73 era cada vez mais real, quando, em uma jogada em impedimento, o atacante adversário protagonizou um dos lances mais tristes: empatou a partida por volta dos 35 minutos do segundo tempo.

No entanto, o bandeirinha devolveu a esperança à multidão que cercava o campo. Quase todos os moradores da pequena Jandaíra estavam lá, naquela tarde de domingo que nunca sai da memória. O bandeirinha marcou impedimento na jogada.

Mesmo com a vitória, a nossa equipe não estava classificada para o Castelão. Os carrascos de Parnamirim resolveram fazer, no tapetão, o que não conseguiram dentro de campo. Alegaram que no Grêmio havia um jogador irregular. O ponta esquerda do time havia jogado o Campeonato Estadual, daquele mesmo ano, pelo Riachuelo. De acordo com o regulamento da competição, Braz não podia jogar o Matutão.

A equipe de Parnamirim também tinha jogadores profissionalizados que disputaram o Campeonato Cearense, mesmo assim, com jogadas inexplicáveis no tapetão, Parnamirim, na época Eduardo Gomes, finalmente venceu Jandaíra.

Tristeza de uma pequena nação que nunca tirou da memória os domingos de espetáculo de um time campeão.


Texto publicado no facebook de Wendell Câmara, escrito com a colaboração de Júnior Narciso.

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